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O ENCANTAMENTO LÚDICO DA ARTE MÁGICA NA ESCOLA

 

Thiago Caboclo Pereira

Orientadora: Dra. Sônia Filiú Albuquerque Lima

 

RESUMO:
Esta pesquisa tem como tema a mágica e sua utilização na motivação da aprendizagem de alunos das aulas de Arte. Teve como objetivo Descrever e analisar a Arte Mágica e seu encantamento lúdico utilizados como motivação da aprendizagem no desenvolvimento de aulas de Artes da Escola Estadual Joaquim Murtinho em Campo Grande – MS. Esta pesquisa parte também da experiência artística do autor, profissional da Arte Mágica. A investigação foi desenvolvida através de pesquisa de campo realizada nas aulas de Arte de oito turmas e teve como principais instrumentos a observação participante de práticas pedagógicas tendo a Arte Mágica como elemento motivador da aprendizagem, relatos dos estudantes e professores. O aporte teórico foi fundamentado em Ricardo Harada, Jean Piaget, Lev Vygotsky, Wallon e George Snyders. Pode-se constatar que a mágica na escola pode possibilitar a criação de situações de encantamento lúdico a partir de situações desenvolvidas como estratégia de motivação.

Palavras-chave: Arte Mágica. Encantamento Lúdico. Motivação da Aprendizagem.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo descrever e analisar a Arte Mágica e seu encantamento lúdico empregados como motivação da aprendizagem nas aulas de Artes desenvolvidas em uma escola pública de Campo Grande – MS, que será citada no decorrer do trabalho. A palavra “motivação” tem sido também empregada em discursos neoliberais e no campo empresarial. Neste trabalho nos referimos à motivação nos processos pedagógicos de ensino-aprendizagem em contextos escolares e sua importância e relevância não podem prescindir sua discussão. A partir das discussões de Tapia (1999), entendemos a importância do tema, expresso na própria palavra “motivação” como imprescindível quando se pensa em despertar o interesse dos alunos para a aprendizagem escolar.

            O termo “encantamento lúdico na Arte Mágica”  não é encontrado tanto na literatura sobre o assunto, nem na linguagem usualmente utilizada no meio artístico. Cunhei essa expressão para expressar o misto de emoções, deslumbramento, curiosidade, espanto e até mesmo o assombro. Sensações experimentadas pelas pessoas diante da mágica.

Para melhor compreensão dessa expressão, vamos fragmentar e definir os termos “encantamento” e “lúdico” e “mágica”, de forma separada, em sua forma original, tal como se encontra no dicionário Aurélio. Encontramos a palavra “encantamento” como: estado de ser encantado, bruxedo, magia, influência de feitiços, maravilha, tentação irresistível, entre outros sinônimos. Já a palavra “lúdico” tem origem no latim ludos e remete para jogos e divertimentos. Um momento lúdico é um momento que dá prazer e diverte as pessoas envolvidas e está relacionado geralmente com jogos e com o ato de brincar. A “mágica” aqui entra no sentido de estado de fascínio, sensação que sentimos ao ver o inesperado e fora da realidade do dia a dia, a mágica que o artista mágico desenvolve nada mais é que uma tentativa de causar essa sensação, o maravilhamento.

            Fazer mágica é provocar o estado de encantamento lúdico em alguém. É acender a imaginação a tal ponto que o impossível deixa de existir mediante a atmosfera de encantamento. O encantamento lúdico da Arte Mágica é o maravilhamento a ela pertencente.  Esse maravilhamento é alcançado quando a pessoa experimenta a mescla essas emoções.

Reconhecidamente a Arte Mágica provoca várias emoções, produzindo o encantamento lúdico. Acredito que esse tipo de encantamento pode ser canalizado para situações de aprendizagem escolar.

            Por que o interesse pela Arte Mágica e de onde falo sobre ela?

A inspiração para minha pesquisa parte primeiramente do lugar onde me encontro hoje, daquilo que sou e principalmente da minha paixão pela Arte Mágica. Antes que me perguntem, sim eu sou mágico, um ator das impossibilidades.

Desde criança sempre gostei de jogos, quebra-cabeças, enigmas, fatores curiosos, mistérios, etc. Iniciei na Arte como auto-ditada aos 17 anos, em uma época que esta Arte era ainda mais restrita que nos dia de hoje. Materiais teóricos eram muito escassos e, mesmo assim, em linguagem estrangeira, publicações e edições limitadas. Por conta dessas limitações, quase tudo que via sobre ilusionismo, sem explicações ou orientações, levava-me a recorrer à imaginação, à exploração das minhas ideias de como viabilizar, observar e pensar nas diferentes alternativas possíveis de reproduzir algo “impossível”.

            Anos depois, em 2008, participei do primeiro evento internacional de mágicos, o “Magic in Rio”, sediado na cidade do Rio de Janeiro – RJ. Fui competidor de um evento que mudaria completamente a minha maneira de pensar a Arte Mágica. Naquela época e ocasião eu “respirava mágica”, treinava quase todos os dias, buscava principalmente alcançar uma técnica que caminhasse à perfeição, na ocasião da competição não obtive a premiação entre os primeiros colocados, mas obtive um novo olhar do qual me orgulho com magnificência: A Arte Mágica como maravilhamento, conceito este que veio a ser construído através de um processo, de estudos, discussões, controvérsias de pensamentos, em encontros e conferências entre mágicos.

            Todo esse processo e experiência talvez tenha me favorecido e sensibilizado hoje a olhar a Arte Mágica por outro viés, buscando identificar como alguns dos recursos inerentes a ela podem contribuir para a motivação da aprendizagem e, especialmente neste estudo, para aprendizagem escolar na disciplina de Arte e pensamento até em outras áreas do conhecimento.

            Ao realizar o Estágio Curricular da minha formação acadêmica como arte-educador, no curso de Artes Cênicas e Dança da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, verifiquei muita desmotivação dos alunos nas aulas quanto à aprendizagem dos conteúdos escolares, contrastando com o encantamento lúdico que observava no público participante da Arte Mágica.

O encantamento lúdico é o que entendo, na minha experiência da Arte Mágica, como a sensação de deslumbramento, fascínio, sedução, inerentes ao homem como ser holístico, e que podem estar presentes como recursos motivacionais na educação escolar.

A partir dessas observações, originou-se a questão central deste estudo: Como a Arte Mágica que desperta o encantamento lúdico pode ser utilizada para motivar e potencializar o aprendizado escolar?

O que justifica este estudo? Todos sabemos que a escola tradicionalmente tem sido vista pelos alunos muitas vezes como um local enfadonho, um espaço de desprazer. Sabemos também que realizamos mais facilmente as tarefas e compromissos da vida quando para isso estamos motivados. A necessidade de promover a motivação da aprendizagem na escola muitas vezes não tem sido considerada como um elemento importante para o aprendizado. Pensar e sonhar com a escola como um espaço e tempo de alegria (SNYDERS, 1993) talvez contribua para pensarmos estratégias, caminhos, meios para tornar esse espaço-tempo mais prazeroso e mais rico em aprendizagens efetivas. Acredito que a mágica pode constituir uma dessas possibilidades.

            Partindo do problema desta pesquisa, anteriormente apresentado, o objetivo geral deste estudo foi: Descrever e analisar a Arte Mágica e seu encantamento lúdico utilizados como motivação da aprendizagem no desenvolvimento de aulas de Artes da Escola Estadual Joaquim Murtinho em Campo Grande – MS. Os objetivos específicos foram:

  • Descrever e analisar a prática da mágica na escola enquanto encantamento lúdico;
  • Relatar e discutir como ocorre o processo de encantamento lúdico a partir de relatos das reações/ respostas dos alunos participantes das aulas com a prática da mágica;

            Esta é uma pesquisa qualitativa em educação, com procedimentos inspirados na modalidade de um estudo de caso. O desenvolvimento da pesquisa ocorreu por meio da análise da própria experiência do pesquisador com o uso da Arte Mágica, como estratégia de motivação da aprendizagem.  Ou seja, o objeto de estudo do pesquisador foi sua própria experiência com a Arte Mágica, como geradora de desiquilíbrios cognitivos (PIAGET, 1956), utilizada em seu estágio curricular obrigatório.  Foram utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa: observação participante, relatos de alunos e de professores. Aqui os professores serão identificados por seus nomes reais, com o consentimento desses, e os alunos por A1, A2 e assim sucessivamente.

A pesquisa foi desenvolvida com oito turmas da escola. Os dados colhidos a partir da observação participante e dos depoimentos de alunos e professores foram anotados no caderno de estágio, considerado neste estudo como caderno de campo, para posterior triangulação dos dados, discussão e análise.

            Ao proporcionar aos educandos a experiência da associação da mágica com a prática do ensino dos conteúdos escolares, vários alunos, inicialmente, entenderam que a mágica tratava-se apenas de um momento de descontração. No entanto, com o decorrer das aulas foi possível observar a relação da prática artística com uma maior significação e retenção do conteúdo estudado. Essa relação foi possível ser constatada quando o professor titular fazia perguntas sobre o assunto da aula da semana anterior. Ao serem questionados pela primeira vez sobre o conteúdo da aula, muitos não se lembravam de imediato, porém quando, em seguida, o professor perguntava novamente, associando o conteúdo à mágica realizada, imediatamente lembravam-se do assunto estudado.

A prática da Arte Mágica acontecia no início das aulas, como acolhimento (preparo para começo das atividades), sempre relacionando o conteúdo a ser lecionado ao ato do acolhimento. Por exemplo, se o tema da aula fosse cultura egípcia, um acolhimento com mágica poderia utilizar formas geométricas para fazer menção e relação da influência desta cultura na arquitetura.

Nessa perspectiva, os conteúdos das aulas e as mágicas eram organizados de maneira a produzir sentidos e significados articulados. A intenção era colocar os alunos em situações enigmáticas a fim de despertar-lhes a curiosidade e, em seguida, a motivação para o conteúdo a ser aprendido.

            Por tratar-se de uma prática artística não comum ou habitual, nem na vivência dos alunos, nem dentro do âmbito escolar, a junção de mágica e ensino trouxe nova experiência aos alunos e professores. A cada nova aula, percebia-se que o fato de ter inserido o sujeito à experiência do encantamento, gerado pela Arte Mágica, facilitava com que fossem cumpridos determinados combinados, segundo relatado pela professora[1] regente: “A própria mágica faz mágica, ela coloca o indivíduo em um estado de mistério e alegria e esta alegria gera boas emoções que o satisfaz”(CLAUDIA POLA).

Com a ajuda da professora foi observado quais alunos apresentavam menor interesse ao estudo, e trabalhamos com esses alunos, convidando-os para as dinâmicas (mágicas que aconteciam no acolhimento). Esse era o momento de fazer os combinados com a turma. Um deles e o mais evidente era a disciplina e respeito mútuo entre os colegas e professores. De certa forma, esses instantes de dinâmicas eram também instantes de alegrias.

Nas próximas páginas, antes do relato mais detalhado da experiência, é necessário esclarecer o que chamamos de Arte Mágica, seu breve histórico.

  1. A ARTE MÁGICA

            Frequentemente, nós mágicos nos referirmos a ela como a Arte Mágica ou até mesmo como a Rainha das Artes[2]. Mas como ela se situa dentro do cenário artístico? Faz parte do teatro? Seria a mágica uma arte própria? Como a Arte Mágica é categorizada?

A mágica, de forma geral, é conhecida também como magia, ilusionismo, prestidigitação, ilusão criada por meio de truques e artifícios, jogos de mão, escamoteio, entre outros sinônimos e seu objetivo é produzir ilusões de impossibilidade, por meio de artifícios naturais e desconhecidos por seu público (HARADA, 2012).

            Segundo Harada (Idid), a mágica é arte do impossível, justamente porque ela reproduz distintos feitos considerados impossíveis, no entanto o termo mágica ou magia se ressignifica à medida que é empregado sob diferentes situações. Por exemplo, se utilizamos a nomenclatura mágica ou magia em um contexto (discurso) ritualístico estamos nos referindo a poderes divinos, sobrenaturais. Quando empregamos o mesmo termo em outras situações, mudamos completamente o sentido da palavra, exemplo: Fulano teve uma experiência mágica com a dança, a voz de Beltrano é mágica. Neste último exemplo a mágica assume o sentido de extraordinário, fascinante, cativante.

Ouvi diversas vezes de diferentes pessoas que a mágica que pratico, enquanto arte, não seria verdadeira ou que mágica não existe. Provavelmente este discurso proferido seguia uma interpretação um tanto confusa do sentido da palavra mágica, ou emprego do termo fora do contexto.

            A nomenclatura “mágica” possui parentesco com a palavra extraordinário, maravilhoso, imaginação, mas se confunde com o termo “magia” em definições mais superficiais, encontradas em dicionários e no uso cotidiano. Os dois termos têm sua origem na palavra “magi”, nome dado às seitas da antiga Mesopotâmia. Habitualmente, emprega-se os termos para indicar uma qualidade ou estado de algo, pois qualificam eventos e acontecimentos ditos ou entendidos como extraordinários. A consequência pela qual se ignora ou se desconhece sua causa real pode ser considerada como algo mágico, neste sentido, o efeito do acontecimento é mágico (Ibidem).

            Em outro contexto, o uso do termo “mágico” faz referência à prática ligada à crença na ação ou influências de forças sobrenaturais (ocultismo). Neste sentido, por intermédio da prática ritualística da mágica ou magia, podem-se influenciar acontecimentos e produzir efeitos não naturais, valendo-se da intervenção de entidades fantásticas e da manipulação de algum princípio controlador oculto presente na natureza, seja por meio de fórmulas rituais ou de ações simbólicas efetuadas metodicamente (Ibidem).

            A mágica a qual discutimos nesta pesquisa segue a acepção moderna, também conhecida como magia teatral, ilusionismo, prestidigitação, jogos de mão e escamoteio. Esta mágica, também denominada de Arte Mágica, visa produzir ilusões de impossibilidade, sobre-humanas e sobrenaturais, por meio de artifícios naturais desconhecidos por suas testemunhas (Ibidem).

Nessa Arte, segundo o mesmo autor, o impossível, o sobrenatural e o mágico são simulados como em um jogo teatral. A todo o momento, sabe-se abertamente que seus segredos pertencem ao território dos artifícios e da engenhosidade humana. A Arte Mágica produz efeitos sobrenaturais e impossíveis com o fim de provocar a sensação de mistério, intriga, maravilhamento, colocando o espectador momentaneamente em um estado pré-lógico no qual tudo parece ser possível. No próximo tópico, será apresentado um breve histórico da Mágica de forma geral.

  • Breve história da Arte Mágica

A Arte Mágica da atualidade muito se difere do seu uso e aplicação primitiva, embora essas diferenças se apresentem de maneira explícitas, podem gerar equívocos na compreensão. Para melhor entendimento podemos dividi-las em velha mágica para nos referir a mágica da antiguidade e nova mágica fazendo apontamento ao seu emprego nos dias de hoje. Os processos da velha mágica fizeram parte do exercício de sacerdotes, ladrões, mercadores, saltimbancos, jograis e charlatões, esses procedimentos eram observados em alto grau de desenvolvimento na antiguidade. A partir do século XVIII a Mágica, como hoje conhecemos, desvincula-se de outras formas de mágica, ganha autonomia e reconhecimento como forma performática de caráter de espetáculo e divertimento (HARADA, 2012).

O registro mais antigo que encontramos sobre mágica está registrado em um papiro egípcio escrito por volta de 2000 a.C, que relata feitos extraordinários executado por um mágico chamado Dedi, descreve seu desempenho diante da corte do faraó Kéops. Um dos números atribuídos à arte da mágica é o efeito em que Dedi era capaz de trazer de volta à vida, corpos decapitados, colocando as cabeças de volta.

Ao longo da história da humanidade a Arte Mágica  foi evoluindo, pode-se dizer que, a mágica é um conjunto de conhecimentos múltiplos de gerações passadas, e a medida que o mundo se transforma a mágica evolui.

A mágica se subdivide em diversas categorias como mágica para palco, grandes ilusões, mágicas de proximidade, manipulação, mágica cômica, mentalismo. Hoje em dia observam-se profissionais de diversas áreas, utilizando técnicas da Arte Mágica como ferramentas para comunicação e fixação de idéias.

Este estudo buscou estabelecer algumas relações da Arte Mágica com a aprendizagem dos conteúdos escolares. Para essa articulação, buscou-se dialogar com alguns teóricos do campo da educação. Alguns conceitos de Jean Piaget (1956), Henry Wallon (1975), Lev Semenovic Vygotski (1986)  e Georges Snyders (1988), serão apresentados em seguida.

  1. INSPIRAÇÃO TEÓRICA: MOTIVAÇÃO, LÚDICO E ALEGRIA NA ESCOLA

Dentro de uma concepção construtivista (PIAGET,1997), o educador que se preocupa com a efetiva construção do conhecimento por parte de seus aprendizes, não pode prescindir da compreensão dos processos psicológicos envolvidos na aprendizagem. Tão importante quanto essa compreensão, é o desenvolvimento de situações desafiadoras que provoquem essa construção do conhecimento. Muitas vezes, por não ter essa compreensão e não conhecer métodos ou alternativas ao modelo convencional de ensino, o professor acaba exercendo o pretenso papel de “transmissor de conhecimentos”, no qual espera-se que o aluno receba mecanicamente a informação. No entanto, essa informação, quando não assimilada de fato, não pode ser considerada como uma aprendizagem real, podendo talvez ser memorizada brevemente, mas sendo logo descartada.

Como foi dito anteriormente, a alternativa de utilizar os meios lúdicos como estratégia de motivação da aprendizagem poderia talvez proporcionar um aprendizado prazeroso, ou seja, propiciar ao sujeito, liberdade de imaginação, expressão, criação, desenvolvimento cognitivo, entre outras possibilidades.

            Nesta pesquisa, partimos também do pressuposto que a educação pode ser potencializada quando aprendemos em situações prazerosas (SNYDERS, 1988) que  contribuem para um conhecimento que pode ficar registrado em nossa memória.

            Notamos a importância de estudar e investigar sobre este tema, pois o gostar ou não de “algo” esta ligado a estímulos e experiências relacionadas a “algo”. Tomamos como exemplo o fato de se gostar ou não de matemática. Sabemos que geralmente quem não possui tanta afinidade com números e cálculos, provavelmente não irá gostar tanto de Matemática, possivelmente por alguma experiência não prazerosa vivenciada no processo de sua aprendizagem. De acordo com Lev Semenovich Vygotsky (1998), um dos grandes influenciadores do pensamento na psicologia, o intelectual e o afetivo são indissociáveis. Sendo assim, se pudermos desenvolver práticas de aprendizagens que possibilitem a associação entre o cognitivo e o afetivo, entre o cognitivo e o lúdico, a ponto de produzir o encantamento, possivelmente pode-se mudar a atitude e afinidade por essa área do conhecimento.

            O contato com o lúdico satisfaz certas necessidades no indivíduo que evoluem de acordo com seu desenvolvimento. Conforme Vygotsky (1998), o desenvolvimento humano ocorre nas relação sociais, nas trocas entre parceiros, através de processos de interação e mediação. Para ele, a imaginação surge necessariamente da ação. Com isso podemos pressupor que uma ação intermediada por um objeto lúdico pode favorecer o desenvolvimento. Relaciono aqui o lúdico com o ato de brincar. As emoções ali geradas são, na maior das vezes, prazerosas e ampliam a imaginação.

Trabalhar o encantamento lúdico no ato de ensinar possibilita mudanças positivas no processo de ensino aprendizagem não somente no que diz respeito à construção de conhecimento, mas na formação de pessoas mais motivadas e com senso criativo.

Castorina (1998), analisando as divergências e convergências entre Piaget e Vigotsky, observa que apesar das divergências e antagonismos entre os dois, existe um diálogo proposto por eles mesmos e por seus seguidores em um movimento dialético constante. Neste trabalho não tocamos nessas diferenças, mas nas contribuições importantes para o tema em questão, ambos no campo de estudo da Epistemologia Genética.

  • Jogos e Alegria na Escola: para pensar a mágica na escola

Os jogos e as brincadeiras são práticas muito utilizadas pelas crianças, e não só por elas, porque são atividades prazerosas e, na escola podem também ser utilizados como elementos educativos, resultando em momentos de alegria. Neste item, trago a concepção de Piaget (1956), Wallon (1975) e Vygotsky (1998) sobre jogos e sua utilização no processo de aprendizagem como recurso didático que pode ser utilizado como ferramenta no ensino. Trago também o conceito de “Alegria na Escola” de Snyders (1988). Estes autores foram escolhidos por terem seu campo de pesquisa situado entre a Psicologia e a Educação, com exceção de Snyders (1993). Embora sua teorias sejam bastante complexas, apresento apenas alguns de seus conceitos relacionados aos jogos e a produção da alegria na escola.

2.2 Jogos e brincadeiras na escola

A Arte Mágica desenvolvida na escola proporcionou ludicidade e prazer muito semelhante àquela observada quando se utiliza de jogos na educação escolar. Por isso, a compreensão dos processos psicológicos e didáticos que ocorrem quando os alunos participam de jogos no processo educativo podem ser importantes neste estudo para compreender os efeitos educativos da Mágica na escola.

Para Piaget (1997), as atividade lúdicas acompanham o desenvolvimento infantil. Ele ressalta ainda que o jogo está intrinsecamente relacionado à construção da inteligência e que o jogo espontâneo motiva a aprendizagem.

O jogo é concebido para Piaget como uma atividade intelectual da criança. Sobre isso Piaget afirma que:

Cada ato de inteligência é definido pelo desequilíbrio entre duas tendências: acomodação e assimilação. Na assimilação, a criança incorpora eventos, objetos ou situações dentro de formas e pensamentos, que constituem as estruturas mentais organizadas. Na acomodação, as estruturas mentais existentes reorganizam-se para incorporar novos aspectos do ambiente externo. Durante o ato de inteligência, o sujeito adapta-se às exigências do ambiente externo, enquanto, ao mesmo tempo, mantêm sua estrutura mental intacta. O brincar neste caso é identificado pela primazia da assimilação sobre a acomodação. Ou seja, a criança assimila eventos e objetos a suas estruturas mentais (PIAGET, 1998, p.139).

            Percebe-se a importância dada por Piaget à utilização de jogos na educação, tanto processo de motivação dessa aprendizagem quanto na potencialização da aprendizagem.

            De acordo com Wallon (apud DANTAS, LA TAILLE & OLIVEIRA, 1992), o lúdico e a infância não podem ser desassociados, o jogo é uma ação voluntária e comprova as múltiplas experiências vividas de: memorização, de enumeração, de socialização, de articulação, sensoriais, entre outras.

            Segundo Vygotsky (1998), a brincadeira é de suma relevância para o desenvolvimento da criança, pois através da interação social são criados mecanismos para o surgimento da zona proximal tão importante para o desenvolvimento cognitivo, desenvolvendo a iniciativa, oportunizando a expressão dos desejos e internalizando assim as regras sociais.

É na interação com as atividades que envolvem simbologia e brinquedos que o educando aprende a agir numa esfera cognitiva. Na visão do autor a criança comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivência de uma situação imaginária, quanto pela capacidade de subordinação às regras (VIGOTSKY, 1998). A mágica desenvolvida na escola envolveu simbologia, ludicidade e imaginação, de forma a produzir alegria nas aulas. Mas qual a importância da alegria na escola? 

2.2 A Alegria na Escola

Conforme Snyders (1988), a escola deveria ser um local de alegria para os alunos, onde privilegiar a alegria do aluno poderia também contribuir para a satisfação do professor.

            Um questionamento que me fazia ao longo da pesquisa foi: a contemporaneidade é repleta de tecnologias e atrativos que distanciam o aluno da motivação dentro da escola sem esses atrativos. Poderia a Arte Mágica trazer alegria e motivar o aluno para o aprendizado em sala de aula? Segundo Snyders (Ibidem), quando o aluno não encontra a alegria na escola, ele pode sentir-se vencido pela escola, no sentido de que a escola o obriga a abrir mão de outros prazeres diversos, como por exemplo, a alegria encontrada no tempo presente como jogos eletrônicos, acesso a internet, redes sociais, passeios em shoppings, etc.

A escola é terrivelmente difícil de suportar quando comparada aos momentos que o jovem pode fazer aquilo que deseja sem que lhe prescrevam determinado método para atingi-lo, sem que  tenha que prestar contas nem ser avaliado, sem que seja obrigado a uma atividade de resposta  (SNYDERS, 1988, p. 50).

O autor chama a atenção para a realidade de que muitas vezes a escola é um ambiente com conteúdos voltados para a função de preparar crianças e jovens para o futuro para a vida adulta.

[Quero] pensar a escola e o aluno no presente. O que isto pode oferecer aos jovens, na sua vida de jovens, durante sua vida de jovens, passar tantos dias na escola? (…) Como podemos transformar a escola para que…”Dez anos obrigatórios de escola: são dez anos feitos para satisfaçao cultural (…) (SNYDERS, 1988, pp. 12-13).

Snyders (Ibidem) propõe uma reflexão sobre repensar a escola como ambiente de desprazer, e transformá-la em um ambiente prazeroso. Piaget, Vigotsky e Wallon reconheceram o valor dos jogos quando utilizados na educação.  Ao se deparar com a mágica, o aluno é transportado a outra realidade, que não é a realidade da escola. Mas no caso desta pesquisa, a mágica acontece na escola. A experiência desse momento gera emoções prazerosas no aluno, como nos jogos e brincadeiras, e consequentemente irá associar a escola a um local de felicidade.

 

3 RELATO DA EXPERIÊNCIA­

            A pesquisa deste estudo foi desenvolvida em oito turmas do ensino médio na Escola Estadual Joaquim Murtinho em Campo Grande MS, em duas fases, a primeira no estágio e a segunda na substituição da professora titular. As observações foram anotadas em caderno de campo. Foi solicitado breve depoimento escrito dos alunos dessas turmas e um breve depoimento de dois professores. Foram recolhidos depoimentos de cerca de 300 alunos. Destes, foram tomados 100 para análise.  O estágio compreendeu os meses de Agosto e Setembro de 2016. Uma das duas professoras que me acompanharam no estágio foi a Professora Claudia Pola, Mestre em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e Professora Raquel Medina de Deus Pereira, formada em Educação Artística na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

A substituição aconteceu de Setembro a Dezembro de 2016 com adolescentes na  faixa etária de 15 a 16 anos nas aulas de Arte, de segunda a quinta, das 07h às 11h, correspondendo a 16 horas semanais.

3.1 Descrição das mágicas na escola

            As aulas tinham duração de 50 minutos e começavam sempre com um momento de acolhimento quando era realizada uma mágica, o professor titular atuava como observador, no período de estágio, e auxiliava na organização e controle do comportamento da turma.

            De um modo geral, os estudantes são oriundos de diversos bairros da capital, não tendo, portanto, uma região específica de origem. Sobre suas condições socioeconômicas, são provenientes de diversas camadas sociais. O ensino regular é formado basicamente por jovens que, em sua grande parte, encontram-se na série correspondente à idade, com pouquíssimos alunos em defasagem idade/série, nos períodos matutino e vespertino.

            Optamos por utilizar uma estratégia de ensino mais dinâmica, através do uso de mágicas contextualizadas ao conteúdo a ser ministrado. Os efeitos de mágicas eram utilizados no início das aulas ou, esporadicamente, em outros momentos, para melhorar a motivação e atenção dos adolescentes, com objetivo também de facilitar o processo de ensino-aprendizagem.

            No primeiro contato com a turma, o pesquisador buscou conseguir respostas a respeito da ideia conceitual que os alunos tinham sobre o termo mágica. Em seguida era realizado um número de mágica que era posteriormente debatido entre eles. Não o segredo do efeito em si, mas de onde surgia (se é que surgia) a emoção gerada por aquele instante. As conversas desencadeavam as mais variadas indagações quanto ao segredo, mas também quanto à emoção Alguns relataram que se sentiram enganados, outros fascinados pelo novo, assombrados pelo desconhecido, etc. De um modo geral relataram que gostaram da experiência. Após esta interação que aconteceu no primeiro contato com a classe, foi feita uma pergunta para se refletir: O que o motiva a vir para a escola? Ou seja, o que você gosta na escola?

            Do segundo dia de aula em diante, a mágica acontecia como acolhimento dos alunos ou para ilustrar alguma explicação, ou ainda para melhorar sua atenção. Eles ficavam mais alertas à explanação do conteúdo. Mesmo que instintivamente instigados a descobrir os segredos utilizados, paravam para ouvir as explicações com atenção.

É importante ressaltar aqui, que as mágicas que aconteciam, por exemplo, no meio de uma explicação, sucediam como um fator surpresa e eram realizadas intencionalmente, colaborando para manter seu estado de alerta. Isso também colaborava para que os alunos fixassem sua atenção, pois a qualquer momento poderia acontecer um efeito de mágica.

            Durante o processo desta pesquisa, os temas dos componentes curriculares do ensino em Arte foram abordados com a utilização da mágica. Abaixo seguem alguns exemplos de como foram desenvolvidos e articulados à pratica da mágica ao ensino.

            Em todas as turmas, a primeira exposição iniciava-se com um acolhimento mais extenso que nas aulas seguintes, pois nessa aula acontecia a minha apresentação como professor, a apresentação da proposta de trabalho, o conhecimento da turma, suas expectativas, facilidades, dificuldades, etc. Preferi não me apresentar como mágico inicialmente. Apenas nos últimos meses da minha atuação como substituto, apresentei-me como pesquisador.

Durante o acolhimento era feito uma mágica tecnológica, isto é, efeitos que utilizam tecnologias digitais em sua apresentação, como o uso de celulares, tablets, computadores, etc.

Neste caso era utilizado um aparelho de celular para eu iniciar um discurso sobre o mundo tecnológico no qual nos encontramos hoje e quão fácil e rápido circulam as informações. O efeito dessa mágica foi ressignificado para ser usado em sala de aula com o objetivo de iniciarmos os combinados com a turma. Conversamos durante a mágica sobre a facilidade do acesso tecnológico que nos possibilita também a aprender através da pesquisa virtual. Discutimos sobre cuidados quanto à veracidade das informações ali presentes. Continuava o discurso dizendo que utilizo também o celular para desenhar e mostro dentro do dispositivo uma bolinha vermelha que se movimenta na tela de um lado ao outro. Em certo momento, “retirava” essa bolinha de dentro do aparelho. Nesse caso, como o efeito da mágica acontecia de forma inesperada (em meio ao discurso em andamento, como um fator de surpresa), um ou mais alunos poderiam não ter visto o que acontecia. Mas pela reação dos outros colegas, eles sabiam que algo diferente havia acontecido. Surgia neles, então, o desejo de também ver o que aconteceu e como aconteceu. Nesse instante, eu estava com a atenção da classe toda voltada para mim. Continuava o discurso. Fazia aparecer outra bolinha (supria nesse momento o desejo de quem não havia visto da primeira vez) e continuava com a mágica. Porém, com ênfase no combinado de que estivessem atentos ao professor, como uma atitude de respeito mútuo entre todos da sala.

A proposta dessa aula tinha como objetivo, além de apresentar o método de trabalho e conhecer a turma, a iniciação do educando à experiência do “encantamento lúdico” provocado pela Arte Mágica, na escola. Este efeito era finalizado com a participação de um aluno, que segurava uma bolinha em uma de suas mãos, enquanto o professor segurava outra.  No meu discurso que se seguia fiz uma analogia entre bolinhas e conhecimento. As bolinhas representavam o conhecimento em sala de aula. De um lado, o conhecimento do professor (bolinha1) e do outro lado o conhecimento do aluno (bolinha2). Explicava que, quando a comunicação é efetiva, os conhecimentos são ampliados. Em seguida, a bolinha 1  era mostrada na mão do professor e, em um gesto, ela desaparecia. Quando o aluno abria sua mão, lá estavam as duas bolinhas. A classe ficava surpresa! Após finalizar a mágica, suas emoções estavam afloradas e o nível de atenção e motivação da classe estava muito grande. Essa motivação foi propícia para que os combinados sobre atitudes e comportamentos fossem reforçados mais facilmente. Em seguida, era explicado aos alunos que as aulas seguintes poderiam utilizar recursos da Arte Mágica para ilustrar um conceito. Finalizava esse encontro dizendo que, na mágica é preciso que a comunicação flua livremente. Perguntava então à classe: Assim como na comunicação em mágica, como a comunicação entre professor e alunos pode ser mais clara e compreendida? Eles mesmos, então, reconheciam a necessidade de prestarem atenção às falas do professor e a importância do respeito entre alunos e professor.      

            É importante ressaltar que as técnicas aplicadas eram utilizadas como ferramentas secundárias e serviam como fator surpresa e de motivação, no entanto faziam ligação com o conteúdo a ser ministrado.

            Em outra ocasião, foi utilizada uma pintura (reprodução digital em forma de quebra cabeça) da Mesopotâmia. A obra escolhida para trabalhar foi Mosaico do Leão da Babilônia. O professor entra em sala de aula com, aparentemente, um quadro coberto por um grande lenço. Este quadro ficava em cima de uma cadeira. Enfatizo que os alunos não deveriam levantar o tecido para ver o que tinha ali. Ao fazer isto, estava demonstrando que confiava nos alunos e indiretamente estava ensinando uma atitude de confiança mútua. De forma implícita, estávamos combinando uma regra de confiança. Pedia então a ajuda de todos para que o combinado se mantivesse mesmo com a minha ausência ou na ausência de qualquer professor A aula iniciava com minha explicação sobre alguns aspectos da Mesopotâmia, suas obras, artes, pinturas, escultura, etc. Perguntava para os alunos o que eles achavam que era aquele objeto (eles não sabiam que era um quadro) que o professor ocultava sob o lenço. Alguns arriscavam respostas engraçadas para chamar a atenção. A participação era geral. Quando alguém tentava olhar mais de perto para ver o que havia abaixo do tecido, era repreendido pelos próprios colegas. Os combinados eram então relembrados sempre que ocorria algum imprevisto ou algo que fugisse do controle da aula programada. Depois da pequena introdução que durava aproximadamente dez minutos, eu comentava assuntos do conteúdo da disciplina. Apresentava então aos alunos um saco com várias partes de quebra cabeças, e dizia que iria fazer uma mágica. Nesse momento, a classe ficava quase que em silêncio, pois iria escolher alguém para interagir. Um aluno era então convidado para ajudar. Era solicitado a outro aluno segurar o quadro com o tecido. Uma segunda pessoa segurava o saco com as partes desmontadas de um quebra cabeça. A terceira pessoa iria escolher uma peça qualquer em meio a mais de 1000 peças. Ela escolhia e eu perguntava se queria trocar de peça. Geralmente ela trocava de peça, pegava duas peças, olhava as diferenças, etc.

Resumindo, eu, professor, entrava na sala de aula com um quadro coberto por um lenço, fazia uma abordagem teórica do conteúdo a ser estudado, convidava três alunos para interagir. Um deles tirava uma peça, em meio a muitas peças, e no final incrivelmente era revelado que o quadro escolhido era um quebra cabeça e que faltava apenas uma peça. O ponto alto dessa mágica era a peça que faltava no quadro. Incrivelmente, a mesma peça escolhida livremente pelo aluno.

            Aproveitava o momento final da interação e falava para utilizarem a mesma inquietação para refletir outras perguntas que nos cercam, tanto perguntas relacionadas a vida estudantil, social, profissional, etc.  Pensar como a mágica foi feita, talvez nos faça pensar novas maneiras de ver a arte, de apreciar a vida e criar oportunidades. Explico que o ato mágico que faço advêm de uma técnica, de uma pesquisa, de um estudo. Explico também que quando desejamos muito algum objetivo, se realmente batalhamos por aquilo, nós podemos conseguir. Tento motivar os alunos, para que eles saiam da escola, com o conhecimento teórico, aliado ao prazer de estar na escola. Quero que eles saiam da escola com o pensamento: Fui para escola, aprendi e ainda refleti sobre atitudes que podem fazer a diferença em minha vida.

            O processo que chamo de encantamento lúdico da mágica possivelmente ocorre nos alunos pelo anseio do contato com o novo, com o misterioso e principalmente pela motivação que experimentam em vivenciar a escola.

            Como pode ser demonstrado nos exemplos acima, o grande poder da mágica está em ressignificar a nossa realidade. Quando estamos imersos nela, vivemos, mesmo que por alguns instantes, uma segunda realidade, a realidade do impossível.

Após descrever algumas mágicas realizadas em sala de aula, passo em seguida a descrever os relatos obtidos pelos alunos e professores.

3.2 Reação e Relato dos alunos e professores

Os relatos dos alunos sobre a aula de Artes, com mágica, que tiveram e suas opiniões sobre como gostariam que fossem as aulas de Artes foram textos livres que escreveram, de cerca de cinco a dez linhas. Os relatos foram lidos e analisados, buscando-se extrair deles as principais ideias e sentimentos expressados.

Grande parte dos alunos disseram em seus relatos que pensavam que quando cheguei na sala, eles teriam mais uma aula comum de Artes. No entanto, praticamente todos demonstraram surpresa e parecem ter experimentado o encantamento lúdico. Essa constatação pode ser observada pelas palavras descritas nos relatos, além de minha observação de suas expressões faciais e verbais nos momentos da mágica.

Pude observar a reação, que novamente identifico em minha prática como encantamento lúdico. No corpo, no rosto, no olhar brilhante, nas falas. Observei um aluno chorando. “Ele está chorando, professor!” – disse um colega. Mas o aluno com os olhos marejados de água nega, ao mesmo tempo em que ri, descontroladamente. Observei ainda rostos eufóricos, fascinados, felizes, espantados. Isso é o encantamento lúdico. Mas também haviam alguns que não demonstravam nenhuma reação.

Nos relatos dos alunos podem ser percebidas várias expressões de admiração, ao dizerem que gostariam que as aulas fossem sempre assim, que acharam as aulas divertidas, diferentes, interessantes, desafiadoras da lógica, que nunca iriam esquecer, alguns disseram que passaram a pensar que nada é impossível dentro de certo limite. O Aluno A, aqui denominado para este estudo, escreveu:

Quando o professor entrou para dar aula de Artes, a primeira coisa que me veio a mente foi …Afs! mais uma aula de Artes! Mas depois que fui conhecendo mais, eu percebi que o senhor conseguiu prender a minha atenção como poucos conseguem. O senhor me ensinou de uma forma diferente com a mágica que ficou muito mais interessante, pois eu consegui aprender me divertindo. Gostei muito dessa aula. Espero encontrá-lo mais vezes (ALUNO A).

Este relato acima chamou-me a atenção, pois se trata de um aluno que parece, pelo seu próprio relato, não prestar muito atenção às aulas. A mágica pode despertar a atenção deste aluno. Outro relato revela como a mágica despertou o interesse para a Arte por um aluno avesso a ela:

“ Nossa! Na aula de Artes de hoje foi muito interessante, tipo: Eu nem gosto de Arte, porém a aula de hoje foi a melhor aula. Vou explicar o porquê. O professor FEZ MÁGICA! Tem noção? Eu acho mó da hora (sic). Muito legal. Acho que não precisa melhorar nada. As vezes eu não acredito, mas hoje o professor me convenceu a acreditar. ”

Entre muitos relatos, trouxe esses dois representativos das ideias e reações expressadas pelos alunos.

Nos relatos dos professores, que concordaram em ter seus nomes revelados, a professora Claudia Pola disse: “O uso da mágica não somente chama a atenção, mas abre a mente para pensar novas soluções para um problema”.

            A professora Raquel Medina observou: “O estagiário despertou a curiosidade e prendeu a atenção dos alunos para o conteúdo através dos truques de mágicas”. Também ouvi de uma das professoras, de forma bem humorada, que usar a mágica era uma “concorrência desleal”.

            Antes de passar nas salas dessas duas professoras, fui rejeitado por um professor que não aceitou que eu utilizasse a mágica nas aulas. Alegou que a mágica geraria indisciplina, disse que eu não conhecia os alunos, que por eu ser novo, eu não conseguiria ter o controle sobre os alunos.

            Mas pude perceber pelos relatos e observações, como a mágica tem o potencial, quando empregada de forma adequada como estratégia de ensino para despertar a motivação, potencializar a aprendizagem e ser utilizada até como instrumento para se promover a disciplina na sala. 

            Acredito que os resultados foram positivos. Pude perceber maior interesse dos alunos nas atividades, maior expectativa em relação às próximas aulas, facilitação do aceite aos combinados entre professor e alunos e considerável mudança positiva no comportamento.

Sabemos que os alunos estão habitualmente condicionados a irem para a escola por obrigação, para ver os amigos, conversar, participar das atividades festivas, etc., e não associam a escola como um local de alegria. No geral, a escola para eles cumpre um papel de preparar o indivíduo para o futuro, enquanto o presente é enfadonho (SNYDERS, 1993).

É possível dizer que essa experiência com a mágica pode ser transposta para a prática de um professor que não seja mágico? Como um professor que não tenha desenvolvido as habilidades das Artes Mágicas pode produzir em seus alunos momentos de encantamento, alegria e motivação para gostar da escola, gostar de aprender?

Acredito que quando pensamos na importância de propiciar situações de alegria na escola, criar situações lúdicas a fim de produzir motivação para a aprendizagem, as estratégias podem ser criadas.

Embora o professor não seja mágico, ele pode criar o instante mágico através de brincadeiras, enigmas, charadas, perguntas que despertem a curiosidade, criando o desequilíbrio cognitivo de que falou Piaget (1956), explorando o imaginário do aluno, criando momentos lúdicos que satisfaçam a necessidade do aluno e gerem motivação e alegria de estar na escola.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Durante o processo de construção desta pesquisa, buscou-se discutir possibilidades de potencialização da aprendizagem de conteúdos escolares a partir do encantamento lúdico da Arte Mágica, procurou inserir os jovens a uma nova experiência, a fim de discutir e analisar a pratica da mágica enquanto encantamento.

            A mágica neste sentido foi capaz de despertar necessidades básicas do aluno hoje, uma delas é a de ter um motivo de alegria na escola. Portanto, é possível acreditar que através deste estudo sobre a experiência da inclusão da prática da mágica na escola, pode-se abrir um novo caminho para se pensar novas possibilidades de alegria dentro da escola, e essas alegrias podem se relacionar com a aprendizagem, possibilitando ao indivíduo um meio prazeroso de aprender.

            Partindo do pressuposto que passamos grande parte da nossa vida na escola, quanto mais ela se relacionar com nossas alegrias do presente, mas seremos capazes de fazer da escola a nossa alegria. Foi observado que o jovem hoje, diante de tanta informação e tecnologias se sente obrigado e não vê um prazer relacionado à sala de aula; o que foi relatado por alguns alunos entrevistados foi que o prazer da escola está nas amizades que constroem, nos momentos de atividades comemorativas, jogos e algumas atividades que realizam fora da sala de aula.

            Neste sentido o encantamento lúdico gerado pela mágica propiciou aos alunos experimentar uma nova alegria, presente dentro da sala de aula, ao mesmo tempo que estavam se “divertindo”, estavam aprendendo.

Quando a aula termina e o professor vai embora, o que de fato fica com o aluno? O que fica para eles pensarem? O que sentem? Qual significado da aula que vivenciaram?

Alguém. Hoje.

REFERÊNCIAS

ALONSO TAPIA, Jesús; CARTULA Fita, Enrique. A Motivação em Sala de Aula: o que é como se faz. Título original. La motivación em la aula. Tradução: Sandra Garcia. São Paulo: Loyola, 1999.

CASTORINA, José Antônio et all. Piaget e Vygotsky. Novas contribuições para o debate. 5ª  ed. São Paulo: Ática, 1998.

DANTAS, Heloysa, LA TAILLE, Yves, OLIVEIRA, Marta Kohl. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

HARADA, Ricardo. A tentativa do impossível: a arte mágica como matéria poética da cena teatral. SP: [s.n], 2012.

PIAGET, J. Psicologia da inteligência. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1956.

_________. Seis Estudos de Psicologia. 22ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária Ltda, 1997.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

 

SNYDERS, George. A Alegria na Escola. São Paulo, Ed. Manole LTDA., 1988.

WALLON, Henri. Psicologia da Educação e da Infância. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa, 1975.

[1] Professora Claudia Pola, Mestre em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Atualmente ministra aulas na rede pública de ensino do Estado de Mato Grosso do Sul.

[2] Termo habitualmente utilizado no meio artístico mágico faz referência à Arte da Mágica como Rainha frente a outras artes, principalmente pela origem incerta e sem registros precisos de seu surgimento.

Sobre o Autor / Artista

Artista da Arte Mágica, Possui graduação em Artes Cênicas e Dança pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2017), [estuda] aperfeiçoamento em andamento em Psicologia Educacional, atualmente pesquisa assuntos relacionados ao desenvolvimento cógnito e comportamento social.

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